O Segundo Mandamento: nenhuma imagem de Deus

O Segundo Mandamento: nenhuma imagem de Deus - Êx 20.4-6; Dt 5.8-10 

O segundo mandamento proíbe a adoração a Deus através de imagens (Deuteronómio 4.15-16) ou qualquer outro modo que não está mostrado na Sua Palavra (Colossenses 2.18). O segundo mandamento exige receber, observar (Deuteronômio 32.56) e manter puros e completos toda a adoração religiosa e ordenanças como Deus mostrou em sua Palavra (Deuteronómio 12.32). 

A proibição “não farás para ti” implica que esses deuses existem apenas na nas mentes de adoradores. O mandamento contra fazer quaisquer imagens pertence inseparavelmente ao mandamento de não se curvar a elas. A preocupação deste mandamento é a adoração de Deus não como imaginado, mas como revelado. Conforme João 4.24, “em espírito e em verdade”; não pelo apelo estético ou intelectual do artificial, mas em resposta ao Espírito e à Palavra de Deus. Deuteronômio 4.12-40 salienta a invisibilidade de Deus; Isaías 40.18-26; 44.9-21, expõe o lado farsante da idolatria. 

As consequências de quebrar esse mandamento são que Deus visita a iniquidade dos pais nos filhos, netos e bisnetos. Isso quer dizer que o castigo é dirigido ao pai para que, em vida, veja os desdobramentos de seu pecado na vida de seus descendentes. No entanto, parece que a ideia de castigar os filhos pelos pecados do pai contradiz Ezequiel 18.20: “Aquele que pecar, esse morrerá; o filho não levará a culpa do pai, nem o pai levará a culpa do filho. A justiça do justo estará sobre ele, e a impiedade do ímpio cairá sobre ele” (cf. Dt 24.16). Todo o capítulo 18 de Ezequiel trata da questão; “Por que Deus nos castiga (a nós que estamos no exílio) pelos pecados de nossos pais?”. A resposta de Ezequiel é que Deus não castiga os filhos pelos pecados dos pais. A resposta está na expressão “daqueles que me rejeitam”. Este mandamento leva em conta a realidade da natureza humana. Os filhos tendem a crescer nos pecados de seus genitores, pois copiam as atitudes e o comportamento deles. É evidente, portanto, que o castigo divino somente recai sobre a linhagem que continua o pecado do pai. Deus visita o pecado dos filhos tanto pelo pecado deles próprios quanto para mostrar ao pai as consequências das ações deste. Apesar disso, a graça é inerente a esse castigo. A apostasia é transmitida até a terceira e a quarta geração. Em contraste com isso, Deus não interrompe o processo em que a fé é transmitida ao longo das gerações. Ele promete agir com “fidelidade de aliança” até a milésima geração daqueles que o amam. “Até mil gerações” (ARA) é uma metáfora para a bondade e a graça eternas.

A justificação apresentada para os dois primeiros mandamentos é: “Eu, Eu Sou teu Deus, sou Deus zeloso”. No Velho Testamento, a palavra traduzida por “zeloso” possui dois sentidos: “um forte apego ao que é seu” e “um forte desejo de ter o que é de outrem”. O primeiro sentido é correto e saudável; o segundo é errado. O primeiro traz a ideia de “ciúme”; o segundo, de inveja. 

Hoje em dia, é comum a palavra “ciúme” ter a conotação de um receio irracional e paranoico. E a maneira de sentir daquela pessoa que vive com medo de não ter plena posse do que lhe pertence - percepção que não corresponde à realidade. Apesar disso, também existe o “ciúme saudável”: se um dos cônjuges trai o outro, o cônjuge traído terá um ciúme natural e justificado. Caso não tenha essa reação diante da infidelidade, podemos pressupor que ele não ama de verdade a pessoa que o está traindo. De modo semelhante, Deus demonstra um ciúme saudável no zelo que tem por seu povo. Ele importa-se com seus bens pessoais. Quando esses bens são entregues a outra divindade, ele reage de modo veemente (1Co 10.22; Tg 4.5). 

O segundo mandamento não é contra as artes. Parece inconsistente que Deus proíba a “semelhança” de qualquer coisa da criação e em seguida ordene que Moisés modele seres celestes. Mas essas imagens foram ordenadas como parte da Arca da Aliança (os querubins, Êx 25.17-20), dos cálices do candelabro, os quais deveriam ter a forma de hastes, botões e flores de amendoeira (Êx 25.31-34), e assim por diante. O restante da Bíblia está repleto de arte. O templo de Salomão continha várias representações da natureza: romãs (I Rs 7.18), touros (1 Rs 7.25), querubins, leões, palmeiras (I Rs 7.36) e outros. Ou seja, na época do rei Salomão Israel não entendia o segundo mandamento como proibição à arte. Nenhum profeta condenou os israelitas por envolverem-se na criação artística. 

A dificuldade encontra-se na realidade da natureza humana. A natureza depravada da humanidade anseia por um deus que possamos ver. Por esse motivo, a confecção de estátuas que representam a Deus ou de ícones pode levar alguns a adorá-las, em vez de adorar a divindade que representam, ou a manipular as estátuas e os ícones como forma de aproximar-se de Deus. O segundo mandamento evidentemente proíbe essas práticas idólatras. Consequentemente os cristãos vivem numa tensão. A arte é permitida, mas pode ser perigosa. Precisamos repensar as questões da relação entre cristianismo e as artes, sem deixar que o zelo religioso cegue-nos. 

Pastor Leonardo Moraes
Boletim Dominical 41/23
26 nov 2023

O remédio para a presunção espiritual

 Miqueias não encerra seu sermão antes de apresentar o remédio de Deus para a presunção espiritual, começando pelo remédio do julgamento: “Portanto, por causa de vós, Sião será lavrada como um campo, e Jerusalém se tornará em montões de ruínas, e o monte do templo, numa colina coberta de mato” (Mq 3.12).

Sião é o monte sobre o qual o templo erguia-se. Ele seria “lavrado como um campo”. Os edifícios construídos em Jerusalém com tanto orgulho se tornariam “montões de ruínas”. Os muros, palácios e as glórias cívicas representavam um obstáculo aos planos de Deus, por causa da opressão com que haviam sido construídos, por isso, todos eles precisavam ser derrubados. Isso comprova o provérbio: “Se o Senhor não edificar a casa, em vão trabalham os que a edificam” (Sl 127.1). Leslie Allen comenta que “a beleza da cidade sagrada seria destruída por prédios construídos sobre fundamentos moralmente fracos. […] Naquele monte em que se encontrava agora o templo em tremendo esplendor, cresceriam arbustos e plantas espinhentas”.

Por mais improvável que a profecia de Miqueias possa ter sido para alguns ouvintes, o julgamento de Deus por fim chegou a Jerusalém em 587 a.C. O primeiro passo foi a remoção do Espírito de Deus do templo, de forma que as pessoas pecaminosas já não podiam mais gabar-se do “… Senhor no meio de nós” (Mq 3.11; veja Ez 10). Então, com Jeremias como sua testemunha chorosa, Deus entregou Jerusalém aos bandos de Nabucodonosor. Quando o povo foi morto ou escravizado, o templo foi derrubado, pedra após pedra: “E queimou a Casa do Senhor e a casa do rei, como também todas as casas de Jerusalém; também entregou às chamas todos os edifícios importantes” (Jr 52.13).

As palavras-chave na advertência de Miqueias são “por causa de vós” (Mq 3.12). Aqueles que pressupõem a graça e a aliança de Deus se tornam a causa de sua queda e, muitas vezes, da queda de outros. A queda de Jerusalém não foi causada pelo Senhor, apesar de estar julgando a cidade, mas por causa daqueles que louvavam ao Senhor com suas bocas e tramavam o mal em seus corações. Se o povo não atentasse ao alerta, “por causa de vós”, a queda de sua cidade seria inevitável.

Mas o julgamento não era o primeiro remédio de Deus, como deixa claro a mensagem de Miqueias.

Antes do julgamento, havia ainda o remédio da pregação. A pregação da Palavra de Deus – de suas promessas e suas advertências – é um meio da graça de Deus para lidar com os presunçosos espirituais. É uma chamada para responder não só com a boca, mas com o coração. Por isso, é tão importante pregarmos a Palavra de Deus hoje, não qualquer mensagem que agrade ao ouvido do mundo, e mais importante ainda, que ouçamos a Palavra de Deus quando ela é pregada.

Um exemplo de como a Palavra de Deus derrota a presunção espiritual e adia o julgamento é

a pregação de Miqueias nessa passagem. Nem sempre sabemos como as mensagens dos profetas eram recebidas, mas nesse caso sim. Sabemos, porque, quando Jeremias pregou um século mais tarde e as autoridades reagiram prendendo e ameaçando-o, “certos anciãos” defenderam sua mensagem. E o que eles lembraram foi isto:

Miqueias, o morastita, profetizou nos dias de Ezequias, rei de Judá, e falou a todo o povo de Judá, dizendo: Assim disse o Senhor dos Exércitos: Sião será lavrada como um campo, Jerusalém se tornará em montões de ruínas, e o monte do templo, numa colina coberta de mato. Mataram-no, acaso, Ezequias, rei de Judá, e todo o Judá? Antes, não temeu este ao Senhor, não implorou o favor do Senhor? E o Senhor não se arrependeu do mal que falara contra eles? E traríamos nós tão grande mal sobre a nossa alma? (Jr 26.18–19) Isto monstra-nos que o rei Ezequias respondeu à pregação de Miqueias com um coração arrependido. Ele caiu de joelhos com orações de confissão, implorando misericórdia, e Deus ouviu-o. A graça de Deus para seu povo é que, sempre que seu povo abandona sua presunção e seu pecado e

deles se arrepende, ele suspende o julgamento e lhe ajuda. Ezequias passou a liderar o povo numa das grandes reformas da história do Velho Testamento, de forma que a presença de Deus foi mantida na cidade e Deus enviou seu poder salvífico para defendê-la. Este, então, é o remédio que precisamos tomar contra o nosso pecado presunçoso, respondendo à pregação da Palavra de Deus com arrependimento sincero, com orações pela graça e com uma determinação renovada de obedecer à Palavra de Deus.

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Pastor Leonardo Moraes

O Poder do Espírito Santo

O Espírito Santo, um em essência com o Pai e com o Filho, é pessoa divina. Foi Ele quem inspirou os homens santos de outrora a escrever as Escrituras. Habilita hoje o homem a compreender a verdade através da Sua iluminação. Enviado pelo Pai e pelo Filho, o Espírito Santo glorifica o Senhor Jesus Cristo, e, como outro Consolador, está presente em e com aqueles que crêem. Ele convence o mundo do pecado, da justiça e do juízo e, por Sua obra poderosa e misteriosa, regenera pecadores espiritualmente mortos, despertando-os para o arrependimento e a fé e nEle são baptizados em união com o Senhor Jesus, de modo tal que são justificados diante de Deus pela graça somente, pela fé somente, em Jesus Cristo somente. Pela agência do Espírito, os crentes são renovados, santificados, adoptados na família de Deus e recebem os Seus dons que são soberanamente distribuídos. O próprio Espírito Santo é o penhor da herança prometida e, nesta presente era, habita, dirige, guia, instrui, equipa, renova e reveste de poder os crentes para a adoração e o serviço da evangelização. Ref.: Jo 4.24; II Co 3.17; Hb 9.14; Gn 1.2; Lc 1.35; Sl 139.7-11; Mt 28.19; II Co 13.13. / II Tm 3.16; II Pe 1.21. / Jo 16.8-14; Mt 3.16; Gl 4.6; Jo 14.16-17; I Co 3.16; I Jo 4.13; Jo 14.26; Jo 15.26; I Co 2.10-14; II Tm 1.14. / Ap 4.17; Jo 3.5; Rm 8.9-11; Tt 3.5; Ef 4.30; Ef 1.13-14; Ef 5.18; I Co 12.7, 11, 13; Ef 4.11; Gl 5.22; At 1.8; At 20.28.

O dia de Pentecostes foi aquele momento da história da redenção quando Deus liberou o poder do Espírito Santo e o deu à Sua igreja, não somente para aqueles que estavam reunidos lá, mas para a igreja de todas as épocas e para cada cristão através dos tempos. Embora o Espírito estivesse presente na velha aliança, os crentes da nova aliança possuem permanentemente o Espírito, que os capacita de maneira única para testemunhar. A descida do Espírito no dia de Pentecostes é um evento que chamamos de baptismo no Espírito Santo. A vinda do Espírito Santo no Pentecostes reuniu os cristãos no Corpo de Cristo, a Igreja. Desse momento em diante, judeus e gentios tornaram-se numa nova humanidade em Cristo Jesus e membros do mesmo Corpo. A narrativa histórica de Actos mostra bem a real natureza da igreja cristã: seus membros são baptizados no Espírito Santo e são fortalecidos pelo Seu poder. Ref.: Jl 2:28-32; At 2.1-4, 17; Mt 3.11; At 1.4-5, 8, Lc 24.49; At 2.38; 10.45; 11.15. 19.6; 1 Co 12.13; Ef 2.11-22.

Deus dá o Seu Espírito a todas as pessoas que vêm à fé. A única pré-condição para receber o Baptismo no Espírito é a fé em Cristo, que traz a salvação inicial. Pedro disse ao público em Jerusalém: “Arrependam-se, e cada um de vocês seja batizado em nome de Jesus Cristo, para perdão dos seus pecados, e receberão o dom do Espírito Santo” (At 2.38 – NVI). Depois do Pentecostes, os únicos dois mandamentos bíblicos em relação ao Espírito são viver/andar no Espírito e buscar o enchimento do Espírito. Estes mandamentos estão no tempo presente e sugerem o crescimento contínuo na vida que o crente já tem com o Espírito. Ref.: At 11.17; Gl 3.2, 13, 14; Jo 7.38,39; At 2.38; Rm 8.9; 2Co 3.6; Ef 1.13; Gl 5.16, 25; Ef 5.18.

O Espírito Santo confere dons espirituais através dos quais os crentes servem a Deus na Sua igreja. Esses dons são capacidades e operações especiais soberanamente conferidas pelo poder do Espírito Santo, graças divinas que capacitam os crentes em Cristo para a realização da obra de Deus, visando sobretudo a edificação da igreja. Eles não transformam as pessoas em super-espirituais, nem as tornam melhores ou superiores aos outros crentes; não são para exibição ou superioridade particular no seio da Igreja, mas são para a glória de Deus. Cada crente recebeu pelo menos um dom (e ninguém tem todos os dons), e estes dons vêm do Espírito Santo, de acordo com o que Ele determina ser necessário para a igreja. O Espírito não concede os mesmos dons a todos, mas decide que dons devemos individualmente ter. Apesar de todos os cristãos serem diferentes e desempenharem funções distintas, todos se complementam para formar uma unidade operante como membros do corpo de Cristo. O Espírito Santo não glorifica Seus dons por exibições ostentosas, mas Ele glorifica a Cristo implementando Sua obra de redimir os perdidos e edificar os crentes na santíssima fé. Ref.: I Co 7.7; 12.7, 11, 13; Ef 4.16; 1Co 14.17, 26; ICo 12.12-26, Jo 16.13-14; At 1.8; ICo 12.4-11; 2Co 3.18.

Deus, ainda hoje, realiza grandes milagres e maravilhas, seja no campo da comunicação ou da saúde, interferindo na ordem natural das coisas em resposta às orações do Seu povo. A incidência de milagres desde a era de Cristo e da Igreja apostólica primitiva não continuou da mesma forma na Igreja posterior, mas o Novo Testamento ensina os fiéis a orarem por aqueles que estão doentes e pelos que sofrem, confiando no Grande Médico para fazer o que esteja de acordo com seus propósitos soberanos. Ref.: Lc 18.1-8; Jo 5.7-9; IICo 12.6-10; Tg 5.13-16; Tg 4.15; lJo 5.14-15

O ofício apostólico não continuou após a morte dos apóstolos. O termo apóstolo, em seu sentido técnico, é restrito àqueles que viram o Senhor Jesus ressuscitado e que foram comissionados por Ele. Com a excepção dos Doze e de Paulo, os outros líderes da igreja são escolhidos de acordo com as decisões feitas pela igreja, ou por outros nas igrejas, segundo os critérios estabelecidos em I e II Timóteo e Tito. Os apóstolos de Cristo foram designados exclusivamente para os primeiros dias da igreja para estabelecer a doutrina ortodoxa. Tendo em conta que a Bíblia está completa, devemos rejeitar qualquer suposto apóstolo ou profeta que afirme possuir revelações adicionais da parte de Deus. A Bíblia, portanto, é a única autoridade apostólica para nós hoje, nossa única e toda suficiente regra de fé e prática. Ref.: ICo 12.28-29; 2 Co 12.12; Ef 4.7-11. / ICo 9.1, Gl 1.1, 12, At 1.21-26, ICo 15.8-9, Ap 2.2, 21.14. / Hb 2.3-4; Ef 2.20, Jd 1.3, At 2.42; 2Tm 1.14, 2Tm 3.16.

 Pastor Leonardo Cosme de Moraes

A Pessoa e a Obra do Espírito Santo

 


visualize a pregação aqui


A personalidade do Espírito Santo. A primeira prova da personalidade do Espírito Santo é o uso do pronome pessoal masculino singular (ele) para representá-lo, sendo espírito (pneuma, no grego) uma palavra neutra (Jo 16.13,14).


Nas Escrituras, todos os elementos da personalidade são atribuídos ao Espírito Santo. Ele possui características pessoais como inteligência, vontade e emoções (Jo 14.26; 1Co 12.11; Ef 4.30). Ele tem mente (inteligência): “Mas aquele Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, vos ensinará” (Jo 14.26). Ele tem vontade: “Mas um só e o mesmo Espírito opera todas essas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer” (1 Co 12.11); e tem sentimento: “E não entristeçais o Espírito Santo de Deus, no qual estais selados para o Dia da redenção” (Ef 4.30). 


Há também uma série de outras passagens que associam a obra do Espírito Santo a obra de um agente pessoal, uma pessoa: 

(a) O uso do termo paraklétos (consolador, ajudador), mostra que o Espírito opera no mesmo nível que o Senhor Jesus (Jo 14.16,26; 15.26; 16.7; 16.14 e 17.4). O termo  paraklétos (consolador) é usado para falar de uma pessoa que ajuda ou dá consolo ou conselho a outra pessoa ou pessoas, mas se refere ao Espírito Santo no evangelho de João (14.16,26; 15.26; 16.7). 

(b) Como o Pai e o Filho são ambos pessoas, a expressão coordenada indica fortemente que o Espírito Santo também é uma pessoa (Cf.: Mt. 3.17; 28.19; 2Co 13.13; Mt 28.19; 1Co 12.4-6; 2Co 13.13; Ef 4.4-6; 1Pe 1.2).

(d) Ele pode ser “afetado” por atitudes e reage a certos actos praticados pelo homem, por exemplo: (a) Pedro obedeceu ao Espírito Santo (At 10.19,21). (b) Ananias mentiu ao Espírito Santo (At 5.3). (c) Estevão disse que os judeus sempre resistiram ao Espírito Santo (At 7.51). (d) O apóstolo Paulo recomenda-nos a não entristecer o Espírito Santo (Ef. 4.30). (e) Os fariseus blasfemaram contra o Espírito Santo (Mt 12.29-31). (f) Os cristãos são batizados em seu nome (Mt 28.19).


Outras atividades pessoais são atribuídas ao Espírito Santo, como ensinar (]o 14.26), dar testemunho (Jo 15.26; Rm 8.16), interceder ou orar em nome de outros (Rm 8.26-27), sondar as profundezas de Deus (I Co 2.10), conhecer os pensamentos de Deus (I Co 2.11), decidir conceder certos dons para alguns, e outros para outros (ICo 12.11), proibir ou não permitir determinadas atividades (At 16.6-7), falar (At 8.29; 13.2), avaliar e aprovar um proceder sábio (At 15.28) e entristecer -se diante do pecado dos cristãos (Ef 4.30).


Por último, e não menos importante, o Espírito é claramente distinto do poder ou da força de Deus em ação no mundo (cf.: Lc 1.35; 4.14; At 1.8; 2.4; 10.38; Rm 15.13; ICo 2.4; 12.4, 8,11). Se o Espírito Santo é interpretado meramente como o poder de Deus, e não como pessoa distinta, então várias passagens bíblicas simplesmente não fariam sentido, pois nelas se mencionam tanto o Espírito Santo quanto o seu poder, ou o poder de Deus. Por exemplo, Lucas 4.14 ("Então, Jesus, no poder do Espírito, regressou para a Galiléia") significaria então 'Jesus, no poder do poder, regressou para a Galiléia". E Atos 10.38 ("Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com poder") significaria "Deus ungiu a Jesus com o poder de Deus e com poder" (ver também Rm  15.13; ICo 2.4).


A divindade do Espírito Santo. A divindade do Espírito Santo é afirmada em Hebreus 3.7: “Portanto, como diz o Espírito Santo: Se ouvirdes hoje a sua voz, 8 Não endureçais os vossos corações, Como na provocação, no dia da tentação no deserto. 9 Onde vossos pais me tentaram, me provaram, e viram por quarenta anos as minhas obras”. O Espírito Santo diz que foi tentado pelo povo de Israel e por isso não permitiu que o povo entrasse na terra. O texto de Êxodo 17 diz que foi Yahweh quem foi tentado. Assim, o Espírito Santo é Yahweh (‘SENHOR’ ou Javé). 


Embora tantas passagens distingam claramente o Espírito Santo das outras Pessoas da Santíssima Trindade, 2Coríntios 3.17 se revela um versículo desconcertante: "Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí há liberdade". A gramática e o contexto nos fornecem bons argumentos para dizer que esse versículo tem melhor tradução com o Espírito Santo como sujeito: "Ora, o Espírito é o Senhor…». Neste caso, portanto, Paulo estaria a dizer que o Espírito Santo é também 'Yahweh (‘SENHOR’ ou Javé), o SENHOR revelado no Velho Testamento (repare o claro pano de fundo do Velho Testamento que se revela nesse contexto, a partir de 2 Coríntios 3.7). Teologicamente, isto seria bastante aceitável, pois sem dúvida se pode dizer que assim como Deus Pai é "Senhor" e Deus Filho é "Senhor" (no pleno sentido de "Senhor" no Velho Testamento como nome de Deus), também o Espírito Santo é chamado "Senhor" no Velho Testamento - e é o Espírito Santo que manifesta-nos especialmente a presença do Senhor na era da Nova Aliança.


O apóstolo Paulo também ensinou que o Espírito é Yahweh (SENHOR) ao substituir o nome do Espírito Santo pelo de Yahweh, ao citar Isaías 6.8-10, no sermão que pregou aos judeus em Roma (At 28.25-27; Jo 12.37-41).


Ao Espírito Santo são atribuídos os nomes divinos: Santo (At 1.8), verdade (Jo 15.26), Deus (Rm 8.14). O Espírito Santo tem os atributos divinos: omnisciente (SI 139.7-10, ICo 2.10-12), omnipotente (Lc 1.35, 37; 11.20), fonte de verdade (Jo 14.26, 16.13), aquele que liberta o pecador do pecado e da morte (Rm 8.2), eternidade (Hb 9.14). Ao Espírito Santo são atribuídas as obras de Deus: criação (Sl 104.30), fonte da Palavra de Deus (At 28.25; 2Pe 1.21; 2.21), regenera pecadores (Jo 3.5-8; Tt 3.5), santifica crentes (2Te 2.13; IPe 1.2), faz milagres (Mt 12.28). O Espírito Santo é digno de louvor. ‘Vós sois o templo de Deus... o Espírito de Deus habita em vós’ [ICo 3.16] – aquele que habita no templo é objeto de adoração nele”. Também somos batizados no nome do Espírito (Mt 28.19)." 


Além disso, existem algumas bases pela quais podemos concluir que o Espírito Santo é Deus como o Pai e o Filho: (a) Entre elas, as várias referências ao Espírito Santo que são intercambiáveis com referências a Deus (At 5.3,4; 1Co 3.16; 6.19) e (d) a associação de igualdade com o Pai e o Filho (Cf.: Mt 28.19; 1Co 12.4-6; 2Co 13.13; Ef 4.4-6; 1Pe 1.2).


Finalmente, o Espírito Santo é uma pessoa distinta da pessoa Pai e da pessoa do Filho. O Espírito Santo procede do Pai (Jo 15.26) e, portanto, não pode ser o Pai. Imediatamente depois do baptismo de Jesus, o Espírito Santo desceu na forma de uma pomba, enquanto o Pai falou dos céus. Nesse momento os três foram revelados juntos, cada qual distinto do outro. Então, nenhum deles pode ser identificado como sendo um dos outros (Mt 3.17).


A obra do Espírito Santo 

Com sua partida em vista, Jesus encoraja os discípulos sobre o futuro ministério do Espírito Santo (Jo 16.7-15). Jesus diz que os seus discípulos ainda não estavam preparados para ouvir tudo em detalhes (Jo 16.12). Então o Senhor consolou seus discípulos com a certeza de que Sua ida para a glória seria vantajosa para eles uma vez que Ele enviaria o Espírito Santo, o outro Consolador (14.16-17): Ele os capacitaria, encorajaria, ensinaria e tornaria Cristo mais real para eles. 


Jesus havia afirmado anteriormente que o Pai enviaria o Espírito (14.25-26), mas Cristo também diz que Ele mesmo envia o Espírito (15.26). Exatamente como afirma o cristianismo bíblico e histórico:  "Cremos no Espírito Santo, Senhor e Vivificador, que procede do Pai e do Filho; que, com o Pai e o Filho, conjuntamente, é adorado e glorificado; que falou por meio dos profetas” (Credo Niceno, um conteúdo resumido da fé dos cristãos elaborado no Concílio de Constantinopla em 381).


Jesus deixa claro que, antes de o Espírito Santo descer, ele próprio precisa subir (Jo 16.7). O Pentecostes somente pode acontecer depois da Sexta-feira da Paixão, depois da “Páscoa”. Apenas a ida de Jesus para a cruz e para o trono do Pai torna possível que ele envie o Espírito Santo, o Consolador, aos discípulos. O Espírito não viria com o poder e a plenitude da nova aliança até que Jesus voltasse ao céu e fosse glorificado à mão direita de Deus (16.7; 7.39; At 2.32-33).


A obra do Espírito Santo nos crentes (16.7, 12–15). É o Espírito Santo que aplica os méritos redentores de Cristo ao coração dos crentes (Rm 8; Gl 4.4–6). Porém, o Espírito não pode aplicar esses méritos quando não há méritos para aplicar. Portanto, a menos que Jesus parta, o Espírito não pode vir. Além de disso, deve-se ter em mente que a bênção do Espírito Santo é a recompensa do trabalho de Cristo (At 2.33, Jo 16.14).


O Espírito Santo habitará os seguidores de Jesus para sempre. O Espírito é dado a todos os crentes em vez de ser algo seletivo (Jo 7.37–39; At 11.16–17; Rm 5.5; 1Co 2.12; 2Co 5.5). O Espírito veio para a Igreja, não para o mundo. O Espírito Santo trabalha por intermédio das pessoas nas quais ele habita (Jo 14.17). Quando o Espírito veio em Pentecostes, deu poder a Pedro para pregar, e foi a pregação da Palavra que convenceu os ouvintes dos seus pecados (At 2).


“Ele habita convosco e estará em vós” (Jo 14.17, 1Co 3.16), não significa que não havia obra do Espírito de Deus dentro dos crentes antes desse tempo, mas sim que o Espírito Santo “estará nos crentes” num sentido novo e mais poderoso após o Pentecostes. Portanto, o facto de ainda não ter sido dado o Espírito (como lemos em João 7.39) não significa que o Espírito de Deus não operava dentro dos crentes antes da vinda de Cristo (veja por exemplo, Nm 27.18; Ez 2.2; Mq 3.8; cf. Lc 1.15, 41, 67). 


Nenhum homem jamais foi salvo do poder do pecado e transformado sem que houvesse a operação regeneradora do Espírito Santo. Abraão, Isaque, Samuel, Davi e os profetas foram o que a Bíblia nos conta somente por causa da obra do Espírito Santo neles. Por outro lado, não podemos esquecer que, após a ascensão de Cristo, o Espírito Santo foi derramado com maior poder sobre as pessoas e houve mais ampla influência sobre as nações do que em épocas anteriores.


O dia de Pentecostes foi aquele momento da história da redenção quando Deus liberou o poder do Espírito Santo e o deu para sua igreja, não somente para aqueles que estavam reunidos lá, mas para a igreja de todas as épocas e para cada cristão através dos tempos (Sproul, 2017). Contudo, antes da descida do Espírito Santo no Pentecostes, o Espírito não havia sido dado no sentido pleno e poderoso que foi prometido para a era da nova aliança (como lemos, por exemplo, em Ez 36.26-27: “E dar-vos-ei um coração novo, e porei dentro de vós um espírito novo; e tirarei da vossa carne o coração de pedra, e vos darei um coração de carne. E porei dentro de vós o meu Espírito, e farei que andeis nos meus estatutos, e guardeis os meus juízos, e os observeis”. Ou como profetizou Joel, no capítulo 2.28: “E há de ser que, depois derramarei o meu Espírito sobre toda a carne …”


Vale a pena ressaltar que a promessa da presença divina nos seguidores de Jesus, em João 14.15–24, inclui o Espírito (14.15–17), Jesus (14.18–21) e o Pai (14.22–24).


O Espírito revela a pessoa e a obra de Jesus (16.14-15).  O Espírito Santo não vem para glorificar a si mesmo, mas para glorificar Jesus. O propósito do ministério do Espírito Santo é exaltar Jesus, anunciá-lo e torná-lo conhecido. Por outras palavras, nada nos é outorgado pelo Espírito à parte de Cristo. O Espírito Santo constantemente chama a nossa atenção para Jesus – aplicando a obra consumada de Jesus em nossas vidas. 


O plano de redenção centra-se em Cristo, este é o tópico sobre o qual o Espírito concentrará Seu ensino (15.26, 16.14). O próprio Espírito Santo é uma dádiva que recebemos do Pai mediante fé na pessoa e na obra de Jesus Cristo na cruz (Rm 8.9; Gl 3.2). Jesus disse: "Ele há de receber do que é meu” (Jo 16.14). Isto significa que o Espírito Santo receberá as grandes verdades concernentes a Cristo. São essas as coisas que ele revela aos cristãos. Deste modo, podemos pôr à prova todo ensino e toda pregação. Se tiver o efeito de magnificar o Salvador, então é do Espírito Santo. 


O Espírito Santo exerce o ministério de ensino (16.13). O Espírito continua o ministério de Jesus em todo o mundo na era da nova aliança. A obra que o Senhor começou seria continuada pelo Espírito da verdade. Jesus ensinou que o ‘outro Consolador’ (14.16), o Espírito Santo (14.26), o Espírito da verdade, guiará os discípulos em toda a verdade (16.13). Há um sentido no qual toda a verdade foi confiada aos apóstolos durante sua vida, e encontra cumprimento particular no trabalho subsequente dos apóstolos ao escreverem pessoalmente ou supervisionarem a escrita dos livros do NT (16.13; 14.26). Isso, adicionado ao Velho Testamento, completou a revelação escrita de Deus ao ser humano. Mas é naturalmente verdade, em todas as épocas, que o Espírito guia o povo de Deus em toda a verdade. Ele o faz através das Escrituras. O Espírito Santo é o Espírito da verdade, Jesus é a verdade (14.6), e a Palavra de Deus é a verdade (17.17). Portanto, tudo o que Espírito Santo ensina está coerentemente alinhado com a pessoa e obra de Cristo e com as Sagradas Escrituras.


O Espírito Santo deu aos apóstolos a plena revelação da vontade de Deus para Sua igreja (toda verdade), que agora está registada no Novo Testamento (14.26; 1 Co 2.9-13; Ef 3.3, 5, 8), e continua a ajudar a igreja a compreender e aplicar as Escrituras (Efésios 1.17). Portanto, esta promessa de Cristo também tem uma aplicação mais ampla a todos os crentes à medida que o Espírito Santo os conduz e os guia (veja Rm 8.14; Gl 5.18). Como diz a Escritura: “Porque todos os que são guiados pelo Espírito de Deus esses são filhos de Deus” (Rm 8.14).


A obra do Espírito Santo no mundo (Jo 16.8–11). O Espírito revela aos homens três verdades fundamentais: 

1) O Espírito convence o mundo do pecado, que os condenará se não crerem em Cristo (3.36; 5.45-46). Jesus disse: “E quando ele vier, convencerá o mundo do pecado […] porque não creem em mim.” (16.8,9). O Espírito convence o mundo do pecado de falhar em crer em Cristo (Jo 15.22-24). Além disso, a obra de convencimento do Espírito graciosamente ajuda o mundo a reconhecer que eles são pecadores e precisam de um Salvador. 


Calvino observa que “há duas formas nas quais o Espírito convence os homens pela proclamação do evangelho. Alguns são movidos de bom grado, ao ponto de curvarem-se voluntariamente e assentir espontaneamente com o juízo pelo qual são condenados. Outros, ainda que se convençam de culpa e não possam escapar, contudo não cedem sinceramente, nem se submetem à autoridade e jurisdição do Espírito Santo, porém, ao contrário, vendo-se sujeitados, gemem intimamente e se sentem esmagados com confusão, contudo não cessam de acalentar obstinação no recôndito de seus corações”.


2) O Espírito também […] convencerá o mundo […] da justiça, porque vou para meu Pai, e não me vereis mais (16.8,10). Por sua ressurreição e ascensão, Jesus provou ser um homem justo, e tudo quanto afirmou de si, com relação à divindade, foi dado como justo e verdadeiro. Por sua glorificação por meio de seu retorno ao Pai, Jesus é justificado em suas reivindicações durante o seu ministério, apesar da rejeição de seus oponentes - que rejeitaram o único que poderia salvá-los.


Em seguimento à convicção do pecado, este é o segundo passo, isto é: que o Espírito convenceria o mundo sobre qual é a verdadeira justiça. O Espírito “mostra aos homens que sua justiça diante de Deus não depende de seus próprios esforços, mas da obra de Cristo por eles” (Leon Morris). 


3) O Espírito Santo […] convencerá o mundo […] do juízo, porque o príncipe deste mundo já está condenado (16.8,11). O julgamento de Deus sobre este mundo ímpio já começou na vitória de Cristo sobre Satanás (16.7-11). A vitória de Cristo sobre Satanás antecipa o juízo vindouro de Jesus de todos os pecadores (o mundo). Satanás e aqueles sobre quem ele governa serão finalmente condenados pela justiça divina. Este veredicto já foi proferido (João 12.31: o príncipe deste mundo é julgado; Lc 10.18; Ap 12.7-11).


A morte, a ressurreição e a ascensão de Cristo são o julgamento legal e a derrota definitiva do diabo. Jesus triunfou sobre ele na cruz. Despojou-o, venceu-o e esmagou sua cabeça. Na cruz de Cristo, o diabo foi derrotado para sempre. Sua condenação foi decidida, e sua sentença foi declarada.


O Espírito manifesta ao mundo que Jesus Cristo subverteu a autoridade de Satanás. Cada vez que Cristo é proclamado na pregação, sob o poder do Espírito Santo, Satanás sofre mais uma perda, e cada alma salva é nova prova de que o diabo está “julgado”. O primeiro e grande cumprimento dessa promessa ocorreu no dia de Pentecostes, quando Pedro, cheio do Espírito Santo, apresentou essas provas, e cerca de três mil pessoas foram convencidas de seus pecados, convertidas a Cristo e salvas.


Enfim, a obra do Espírito Santo é tão importante como a obra de Cristo. É por isso que antes de enviar a igreja ao mundo, Jesus enviou o Espírito Santo à igreja. É o Espírito Santo quem capacita o povo de Deus para o cumprimento da grande comissão (At 1.8). 

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Referências: Beeke, J. R., Barrett, M. P. V. and Bilkes, G. M., ed. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014, p. 1541. / Berkhof, L. Teologia Sistemática, 4a edição. SP: Cultura Cristã, 2012, p. 391–392. / Boor, W. Comentário Esperança, Evangelho de João. Curitiba: Esperança, 2002, p. 365–370. / Carson, D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1927. / Calvino, J. Evangelho Segundo João, vl. 2 - Série Comentários Bíblicos. São José dos Campos, SP: FIEL, 2015, p. 150–161. / Crossway Bibles, The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2038, 2053. / Grudem, W. Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine. Second Edition. Grand Rapids, MI: Zondervan Academic, 2020, p. 778–800. / Hendriksen, W. João: Comentário do Novo Testamento. SP: Cultura Cristã, 2014, p. 637–641. / Lopes, H. D. João: As Glórias do Filho de Deus - Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2015, p. 405–409. / MacDonald, W. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. SP: Mundo Cristão, 2011, p. 310–311. / Packer, J. I. Teologia Concisa: Um Guia de Estudo das Doutrinas Cristãs Históricas. 3a ed. SP: Cultura Cristã, 2014, p. 129–130. / Ryle, J. C. Meditações no Evangelho de João. São José dos Campos, SP: Editora FIEL, 2018, p. 317–319. / Ryrie, C. C Teologia Básica: Um Guia Sistemático Popular para Entender a Verdade Bíblica. SP: Mundo Cristão, 2012, p. 201. / Sproul, R. C., ed. The Reformation Study Bible: ESV. Orlando, FL: Reformation Trust, 2015, p. 1889.


Pastor Leonardo Cosme de Moraes 


Igreja que Ora


Atos 12 retorna a Jerusalém onde encontramos uma nova perseguição contra os líderes cristãos, os apóstolos (12.1-4). Herodes Agripa I, que nesta altura governava sobre a Judeia, Samaria, Galiléia, Transjordânia e Decápolis, fazia o que fosse necessário para agradar os judeus. Enquanto Herodes, o Grande, viva constantemente em conflito com os judeus, Herodes Agripa I sabia como obter o favor dos líderes e dos principais sacerdotes e, por essa razão, contava com o apoio deles.

 

Graças a essa política, ele mandou […] prender alguns da igreja para os maltratar e fez passar a fio da espada o apóstolo Tiago, irmão de João, e filho de Zebedeu (Lc 5.10; 6.14; 8.51; 9.28). A população aprovou a perseguição contra os líderes da igreja, então Herodes decidiu ir atrás de Pedro. Herodes prendeu Pedro com o propósito de matá-lo após os sete dias da Festa da Páscoa, com o único propósito de agradar os judeus (12.3). Ele queria dar um golpe mortal na igreja matando seus principais líderes. 

 

Todas as precauções foram tomadas para que Pedro não escapasse  da prisão. Herodes enviou quatro esquadrões de soldados para guardá-lo até que pudesse ser executado (12. 6, 10). Havia quatro esquadrões porque cada um era dividido em quatro turnos. Isso significa que havia quatro grupos de quatro – 16 soldados romanos – vigiando Pedro na prisão. Dois soldados ficavam com ele em sua cela. Pedro tinha cada perna acorrentada a um guarda, enquanto os outros dois guardas vigiavam os portões externos. 


Quando Tiago foi executado, os crentes não se desesperançaram com a oração. Em seguida ficou pior, mas os cristãos não abandonaram a oração. Eles oraram ainda mais fervorosamente. Do ponto de vista humano, só um milagre poderia livrar o apóstolo da morte. Eram os dias da Festa da Páscoa. Durante todo o tempo que Pedro esteve na prisão a igreja permaneceu em oração (12.5).


Deus poupou Pedro, mas permitiu que Tiago fosse morto. Tiago morreu pela causa de Deus, assim como seu Senhor (Mc 10.36-39). A vontade do Senhor é sempre sábia e boa, mas nem sempre é previsível. Nós não vemos tudo que Deus vê! Precisamos confiar em Deus, e que Ele nos ajudará a usar o sofrimento em prol do nosso fortalecimento, e ao mesmo tempo para Sua glória. Precisamos dizer como Paulo: “Por que, se vivemos, para o Senhor vivemos, se morremos, para o Senhor morremos. Quer, pois, vivamos ou morramos, somos do Senhor” (Rm 14.8). Uns são libertos pela fé; outros morrem pela fé. Na galeria da fé, em Hebreus 11, uns foram libertos do fogo e da boca de leões pela fé; outros, pela fé, foram mortos e serrados ao meio. Deus é Deus quando nos livra da morte e quando nos leva para sua presença. Ele é Deus quando atende a nossa oração curando e quando chama-nos para a sua presença. 

 

Este episódio sublinha diferentes princípios relativamente à prática da oração na vida da igreja:


A igreja que ora recebe prontamente o auxílio do céu (12.5-11). Na mesma noite em que Herodes planeava apresentá-lo […], Pedro dormia sono profundo, mesmo algemado entre dois soldados (12.6). Ele confiava em Deus. Ele podia dizer, assim como Paulo escreveu quando também esteve preso: “para mim, o viver é Cristo, e o morrer é lucro” (Fl 1.21).

 

Lucas informa que, de repente, um anjo do Senhor apareceu, e a cela encheu-se de luz. O anjo tocou o lado de Pedro e ordenou que ele se levantasse depressa. No mesmo instante, as algemas caíram das suas mãos. Então o anjo disse a Pedro que se vestisse, calçasse as sandálias, pusesse a capa e o seguisse. Mesmo confuso, Pedro obedeceu às instruções do anjo. Depois de terem passado a primeira e a segunda sentinela da prisão, chegaram ao portão de ferro, que abriu-se como se fosse automatizado. Só depois de entrar numa rua da cidade e de o anjo ter apartado-se dele, Pedro deu-se conta de não estar num sonho. O Senhor livrou-o da mão de Herodes e dos judeus (12.7-11). 

 

Vemos aqui uma importante lição para nós. O visitante celestial tirou Pedro da prisão (12.17), mas o que Pedro podia fazer, o anjo não fez por ele. Pedro devia levantar-se, cingir-se, colocar suas sandálias, sua túnica e sair (12.8). Assim que Pedro estava livre, o anjo deixou-o. Agora, Pedro poderia tomar suas próprias decisões!

 

Deus comissionou uma classe de anjos para proteger o seu povo na terra (Sl 91.11; Hb 1.14). Contudo, é fanatismo esperar que Deus faça por nós o que nos mesmos devemos fazer (12.10-11). Deus não enviará seus anjos para fazer o trabalho da igreja (1 Pe 1.12). 

 

A igreja que ora recebe de Deus infinitamente mais do que poderia imaginar (Ef. 3.20). Conforme a história prossegue, Pedro foi à casa de Maria, a mãe de João Marcos (12.12-17). Quando ele chegou à casa, ele bateu na porta e esperou que alguém a abrisse (12.14). Uma criada, chamada Rode foi ver quem era, mas ficou tão alegre ao ouvir a voz de Pedro que esqueceu-se de abrir a porta! Correu para dentro a fim de dar as boas notícias aos que estavam a orar. Ao ouvirem as palavras da criada, alguns pensaram que ela havia enlouquecido, mas ela persistia em afirmar que o apóstolo estava junto do portão (12.15). Pensaram, então, tratar-se do anjo de Pedro, mas Rode afirmou que era o apóstolo em pessoa. “Então, eles abriram, viram-no e ficaram atónitos” (12.16). Eles não podiam crer que Deus concedera-lhes exatamente o que haviam pedido.

 

Vemos aqui que “não somos a primeira geração a ser tão fraca em reconhecer as respostas de Deus às nossas orações. É sempre correto orar, mesmo que sua fé seja tão fraca que você se surpreenda quando a resposta chegar!” (RC Sproul). Uma vez que nada é impossível para Deus, nada é impossível para a igreja quando ela se reúne para orar. “A oração de apenas um justo pode muito em seus efeitos” (Tg 5.16, veja tb. Mt 7.8).

 

Pedro foi libertado pelo anjo de Deus, mas em resposta às orações da igreja (12.12, 17). Como escreveu o pregador puritano Thomas Watson: “O anjo chamou Pedro na prisão, mas foi a oração que foi buscar o anjo”. A oração fervorosa da igreja reunida afectou o resultado dos acontecimentos (12.5, 12). “Suas orações imperfeitas, porém fervorosas, foram mais poderosas que Herodes e o inferno” (G. C. Morgan).

 

A igreja que ora triunfa sobre as forças do mal (12.18-23, Mt 16.18). Lucas informa que “ao amanhecer, houve grande alvoroço entre os soldados a respeito do que tinha acontecido a Pedro […] Não conseguindo encontrá-lo, Herodes interrogou os guardas e mandou executá-los.” (12.18-19a). De acordo com o código Justiniano, se um prisioneiro fugisse, sua sentença – espancamento, crucificação ou decapitação – era aplicada aos guardas responsáveis pelo turno em que o prisioneiro havia escapado. 

 

Depois disso, “Herodes partiu da Judeia e foi passar algum tempo em Cesareia” (12.19d-20). Não sabemos o motivo, mas Herodes estava muito irritado com o povo de Tiro e Sidom. Os habitantes dessas cidades aproveitaram as férias do rei em Cesareia para reconciliar-se com ele, pois dependiam dos cereais que importavam da Judeia. Fizeram amizade com Blasto, camarista do rei e, por meio dele, pediram a restauração das relações diplomáticas.

 

Lucas diz que num dia designado, Herodes fez uma aparição vestido com trajes especiais, sentou-se em seu trono e fez um discurso. Então o povo bradou: “Voz de um deus, e não de um homem!” (12.21-22). Porém, em meio à aclamação da multidão, ele subitamente contorceu-se de dor. Flávio Josefo, historiador judeu, informa que Herodes teve de ser carregado para fora do anfiteatro, e permaneceu com intensa dor por cinco dias antes de morrer, a qual, de acordo com Lucas, foi-lhe infligida por um anjo do Senhor porque Agripa estava tomando para si a glória que pertencia a Deus (12.23).

 

Ninguém jamais lutou contra o Altíssimo e prevaleceu. O anjo de Deus enviado para libertar Pedro é enviado para matar Herodes (12.7,23). Os anjos de Deus são agentes tanto da bondade como do juízo de Deus.

 

A Bíblia ensina que quando uma pessoa se exalta, ou permite que outros a exaltem, Deus a derrubará (Gn 11.4; Is 14:12–15; Dn 4.19–27). Por outro lado, os humildes e os humilhados serão exaltados! Este é o glorioso paradoxo do evangelho (Lucas 14.11, 18.14).

 

Os destinos da vida não estão nas mãos dos homens, mas nas mãos de Deus. Num momento, Tiago foi da prisão para o céu. Herodes também num momento passou de sua glória terrena para uma prisão eterna no inferno. “Bem-aventurados os mortos que morrem no Senhor” (Ap 14.13).

 

Em vez de Pedro ser morto por Herodes, Herodes é que foi morto pelo Deus de Pedro! O corpo na sepultura é comido por vermes, mas o corpo de Herodes tornou-se podre enquanto ele ainda estava vivo, criando vermes que imediatamente passaram a se alimentar dele (12.23).

 

Finalmente, na igreja que ora, a palavra de Deus cresce e multiplica-se (12.24). O rei morreu e foi comido pelos vermes, mas a Palavra de Deus não morreu (12,24). Apesar de toda oposição o trabalho da igreja progredia (At 6.7; 9.31; 12.24).

 

O crescimento numérico da igreja primitiva retrata sua vida de oração. A igreja orava e os resultados apareciam. Deus abria os corações. A pregação era poderosa (1Co 3.7). “A igreja contemporânea deveria orar mais, com mais fervor, e com mais intensidade, como o fez a igreja primitiva” … O poder para realizar a obra de Deus não vem da nossa inteligência, ou dos nossos recursos financeiros, nem mesmo das nossas habilidades pessoais, mas de Deus.” (H. D. Lopes).

 

Precisamos orar pela igreja perseguida. A situação de Pedro na prisão a espera do martírio retrata a realidade da igreja perseguida. A oração é um instrumento que Deus usa para livre os crentes perseguidos. Precisamos orar pelos nossos pastores e líderes. Se você deseja que Deus use o seu pastor ore por ele.

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Referências: Beeke, J. R.; Barrett, M. P. V. and Gerald M. Bilkes, eds. The Reformation Heritage KJV Study Bible. Grand Rapids, MI: Reformation Heritage Books, 2014), 1577–1579. / Carson, D. A., ed. NIV Biblical Theology Study Bible. Grand Rapids, MI: Zondervan, 2018, p. 1977–1978. / Crossway Bibles. The ESV Study Bible. Wheaton, IL: Crossway Bibles, 2008, p. 2106-2108. / Kistemaker, S. Atos, vol. 1: Comentário do Novo Testamento. SP: Editora Cultura Cristã, 2016, p. 559–560. / Lopes, H. D. Atos: A Ação do Espírito Santo na Vida da Igreja: Comentários Expositivos Hagnos. SP: Hagnos, 2012, p. 233–250. / MacDonald, W. Comentário Bíblico Popular: Novo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2011, p. 366–368. / Sproul, R. C. Estudos Bíblicos Expositivos em Atos. SP: Cultura Cristã, 2017, p. 182–192. 

 

Pastor Leonardo Cosme de Moraes 


 

Igreja Multiplicadora



A Igreja de Antioquia foi implementada por crentes foragidos e perseguidos. Evangelistas anónimos, espalhados pela perseguição que iniciou após o martírio de Estêvão (8.2-4), avançaram pelos vilarejos e cidades até a Fenícia, Chipre e também para Antioquia da Síria, proclamando o  Evangelho de Jesus Cristo (At 11.19b; 8.4). A maioria anunciava a palavra somente aos judeus (11.19c), e a ninguém mais. Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene, no litoral norte da África, foram até Antioquia da Síria, e evangelizaram também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus (11.20). 

 

A igreja multiplicou-se sobrenaturalmente através do testemunho dos evangelistas anónimos (11.19–21). Homens desconhecidos do povo, oriundos da diáspora cristã, sem formação, sem ordenação, sem sociedade missionária, sem plano estratégico tornaram-se pioneiros decisivos da missão aos gentios. Simplesmente arriscaram-se a testificar: temos “um só Senhor, Jesus Cristo” (1Co 8.6). Para surpresa dos que arriscavam-se a dialogar intencionalmente com gentios sobre Jesus, a mensagem obteve considerável aceitação: “muitos, crendo, converteram-se ao Senhor Jesus” (11.21). Lucas indica a causa do sucesso: “A mão do Senhor estava com eles.”

 

É por isso que às vezes tendemos a pensar que o quadro de membros da igreja é a medida do quanto Deus a está abençoando. Mas devemos ser cuidadosos quanto a isso. O maior culto registado na Bíblia ocorreu no sopé de uma montanha, numa dança de idolatria e blasfémia, em torno de um bezerro de ouro (em Êxodo 32). A igreja de Arão, naquele momento, era uma mega-igreja, e fazia tudo o que Deus desprezava. Podemos dizer que a mão do diabo estava sobre eles ao invés da mão do Senhor, porque Deus estava enfurecido com o que o seu povo estava a fazer. Sua atividade causou o crescimento da igreja, mas de maneira errada. Como escreveu o Dr. Sproul: “Não podemos ter a mão do Senhor e não ter crescimento, mas podemos ter crescimento sem a mão do Senhor”.

 

Além do mais, todo o sucesso da fé e da salvação depende de Deus e nada deve ser atribuído a nós, exceto o ministério externo. Isso deve ser sempre lembrado, tanto para que os ministros não se percam em seu orgulho quanto para que aqueles a quem Deus iluminou com a verdadeira fé aprendam a ser gratos a Ele. Enfim, o crescimento da igreja é uma obra  exclusiva de Deus (1 Co 3.7). De facto precisamos pregar e evangelizar, mas só Deus pode abrir o coração dos que creem (At 16.14).

 

A igreja multiplicou-se num contexto metropolitano, intercultural e multiétnico. Este episódio destaca o impacto do evangelho na população de Antioquia da Síria (11.20). Antioquia foi a primeira igreja internacional, formada por pessoas de culturas e etnias diferentes. A Igreja de Antioquia tornou-se a base, o centro metropolitano, para a expansão do evangelho para o mundo gentílico na bacia do Mediterrâneo (13.1-4; 15.40; 18.23). 

 

Com uma população estimada em pelo menos 500.000, era um centro para troca de ideias, culturas, costumes e religiões. Era uma cidade sofisticada. Naquela época, era a única cidade do mundo antigo com iluminação noturna. Era como a cidade de Nova York de hoje. Em 64 a.C. o general romano Pompeu conquistou a cidade de Antioquia e envolveu-a na corporação romana. Como resultado, a partir desse momento até os dias de Cristo e dos apóstolos, Antioquia era a terceira maior cidade do mundo antigo, depois de Roma e Alexandria. Devido ao seu tamanho, a cidade foi fundamental para a expansão da cristandade no 1° século e, posteriormente, tornou-se o centro intelectual para o desenvolvimento da teologia cristã durante os primeiros 300 anos da história da igreja (Sproul, 2017:175-181). Enfim, Antioquia foi de fundamental importância como uma área de preparação e como a sede metropolitana para a expansão da igreja cristã entre os gentios, e é apresentada aqui em Atos.

 

A igreja multiplicou-se substancialmente sob a liderança espiritual de homens piedosos, qualificados e com o melhor perfil para o crescimento. Quando a notícia do despertamento espiritual de Antioquia chegou a Jerusalém, a igreja decide enviar Barnabé, um homem de alma generosa, um pastor experiente, um judeu helenista com o melhor perfil para promover o crescimento da igreja (11.22). 

 

Barnabé não era uma pessoa invejosa. Ele viu tudo o que Deus estava a fazer entre os gentios em Antioquia, e estava satisfeito (Rm 12.15). Ele alegrou-se ao ver a graça de Deus nas vidas transformadas dos convertidos e exortou todos a permanecerem firmes no Senhor (11.23). 

 

Em seu relato Lucas dificilmente elogia pessoas individuais. Aqui, porém, ele não deixa de acrescentar: “Porque era homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé.” (11.24). Não nos surpreende que “muita gente se uniu ao Senhor” durante sua presença em Antioquia.

 

Barnabé queria ver a obra de Deus prosperar, por isso procurou Saulo, quem ele sabia ser mais dotado para a obra do que ele (11.25). Ele partiu para Tarso à procura de Saulo, e quando encontrou-o, trouxe-o para Antioquia. “E, por todo um ano, se reuniram naquela igreja e ensinaram numerosa multidão. Em Antioquia, foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos” (11.26).

 

É admirável a humildade de Barnabé em querer partilhar o ministério com Saulo, e também o seu senso estratégico, ao estabelecer uma parceria de ministério frutífera (11.25; 13.2 –15.35). O que Barnabé fez por Saulo precisa ser colocado em prática nas igrejas. Os cristãos maduros precisam chamar outros membros do corpo e encorajá-los em seu serviço ao Senhor. Moody costumava dizer: "É melhor colocar dez homens para trabalhar do que fazer o serviço de dez homens”.

 

Esta experiência em Antioquia preparou a Saulo e a Barnabé para uma missão muito maior que se seguiria (13.1ss.). Os grandes rabinos de Israel eram pessoas solitárias, cada qual formando sua própria “escola”, mas posicionando-se criticamente diante de outros. Agora Saulo tinha o privilégio de experimentar o que significa desempenhar o serviço na comunhão com um irmão. Saulo não quis mais prescindir dessa experiência, como podemos ver na longa lista de saudações em Rm 16.

 

A igreja multiplicou-se pela distinção dos imitadores de Cristo na sociedade. Outro facto significativo sucede em Antioquia: “foram os discípulos, pela primeira vez, chamados cristãos” (11.26). Até agora, Lucas se referia a eles como discípulos (6.1), santos (9.13), irmãos (1.16; 9.30), fiéis (10.45), e os seguidores do Caminho (9.2). E de “nazarenos” pelos judeus, uma expressão de desprezo (At 24.5). Agora, Lucas passa a chamá-los de cristãos (11.26).

 

O facto de os discípulos terem sido chamados de cristãos pela primeira vez em Antioquia provavelmente reflete um rótulo aplicado pelo público incrédulo em Antioquia e mostra que os discípulos começavam a ter uma identidade própria à parte dos outros judeus, como membros de um grupo distinto do Judaísmo. Na época, cristão era uma designação de cunho depreciativo usado pelos incrédulos. Os gregos e romanos costumavam designar partidos políticos e religiosos pelos nomes de seus fundadores. Por outras palavras, eles não chamavam a si mesmos de cristãos, mas foram chamados por outros de cristãos. De lá para cá, porém, esse nome tem sido usado com grande satisfação por todos os que amam o Salvador.

 

Esta nova designação na narrativa de Lucas prenuncia algo das dificuldades que aproximavam-se da igreja de Jesus por meio deste nome. O judaísmo tinha no Império Romano o status de uma religião oficialmente reconhecida. Como “judeus” os discípulos eram ao mesmo tempo pessoas “legais”. Qual, porém, seria a situação dos “cristãos”? Muito em breve, sob Nero, a palavra “cristão” torna-se uma palavra de desprezo e ódio. Numa correspondência entre o imperador Trajano e seu governador Plínio no ano de 111–113 d. C. já se aborda a pergunta se o simples nome de cristão como tal era merecedor de punição.

 

A palavra “cristão” ocorre três vezes no NT. A única outra vez que a palavra ocorre em Atos, é nos lábios de um estranho à comunidade, o rei Agripa (26.28). Em 1Pe 4.16 o termo já é usado com naturalidade. Todavia, é somente nos escritos de Inácio, bispo de Antioquia do 2º século, que o termo foi encontrado como uma auto-designação habitual. 

 

A palavra significa literalmente uma pessoa que ‘pertence’ ou ‘segue’ a Cristo. Os cristãos não identificam-se pela nacionalidade, cultura ou idioma, mas pelo facto de serem seguidores leais do Senhor Jesus Cristo. 

 

Muita gente que não nasceu de novo considera-se "cristão" simplesmente porque participa de uma igreja, frequenta os cultos evangélicos e, de vez em quando, até contribui para o trabalho da igreja! Mas é preciso mais do que isso para o pecador tornar-se filho de Deus. É preciso arrependimento do pecado e fé em Jesus Cristo, que morreu por nossos pecados na cruz e ressuscitou para nos dar vida eterna (Wiersbe, 2006:583). David Fuller certa vez perguntou: "Se você fosse preso sob a acusação de ser cristão, haveria provas suficientes para condená-lo?” Em Antioquia os discípulos convertiam doutrina em vida. Eles eram imitadores de Cristo (1 Jo 2.4). Exalavam o bom perfume  de Cristo (2 Co 2.14-16). Nossa vida, palavras, ações, reações levam as pessoas a pensar que somos discípulos de Cristo?

 

A igreja que multiplicou-se em Antioquia era generosa e totalmente comprometida com o ministério da misericórdia. Lucas informa que “naqueles dias, desceram alguns profetas de Jerusalém para Antioquia” (11.27; 13.1; 15.32; 21.9). Um deles, chamado Ágabo, inspirado pelo Espírito Santo predisse uma grande fome por todas as regiões habitadas da terra. Essa escassez de alimentos sobreveio nos dias do imperador Cláudio, que reinou de 41 a 54 d.C (11.27-28).

 

Os historiadores acreditam que essa fome ocorreu nos anos 45-48 d.C. O rio Nilo inundou em 45 d.C., reduzindo drasticamente a colheita de grãos da qual dependia o Império Romano, e uma grande fome atingiu a Judéia de 46 a 48 d.C. A fome foi mais intensa na Judeia, especialmente porque no tempo de Cláudio os judeus foram expulsos de Roma (18.2) e retornaram à Judeia sem suas casas, suas terras e seus bens. A escassez de alimentos na Judeia foi tão grave que, de acordo com o historiador judeu Flávio Josefo, muitas pessoas morreram por falta de recursos para comprar a pouca comida que havia disponível.

 

Quando ouviram o anúncio profético dessa fome global, os discípulos de Antioquia decidiram enviar socorro aos seus irmãos cristãos que moravam na Judeia. A igreja não ficou só na informação, foi à ação. Eles não podiam impedir a vinda da fome mas podiam mandar ajuda aos necessitados.

 

A graça de Deus manifestou-se nesses discípulos cuja contribuição foi unânime, espontânea e proporcional (11.29). Cada um ofertou conforme as suas posses (At 11.29, vemos o mesmo parâmetro em 2 Coríntios 8 e 9). Eles uniram-se em amor e deram o que podiam para ajudar àqueles que estavam com fome e em necessidade. Eles ajudaram pessoas que não conheciam pessoalmente. Eles estavam totalmente compromissados com o ministério da misericórdia.

 

A verdadeira religião envolve não somente orar e receber a Cristo, mas envolve também alimentar os famintos, vestir os nus, visitar os prisioneiros e ajudar a trazer alívio em tempos de calamidade, tais como a fome descrita em Atos (Mt 25.34-40; Tiago 1.27). Os cristãos de Antioquia enviaram para Jerusalém as doações que coletaram, interrompendo o trabalho de Paulo e Barnabé, a fim de que pudessem entregar a oferta aos presbíteros (anciãos) da igreja de Jerusalém (11.30).

 

Esta passagem ilustra um princípio espiritual importante: se as pessoas foram uma bênção espiritual para nós, devemos ministrar-lhes por meio de nossos recursos materiais. Como escreveu Paulo: "Mas aquele que está sendo instruído na palavra faça participante de todas as coisas boas aquele que o instrui" (GI 6.6). 

 

Os cristãos de Jerusalém haviam levado o evangelho a Antioquia. Enviaram Barnabé para exortar os recém-convertidos. Enviaram Ágabo para edificar e consolar a igreja. Nada mais certo do que os gentios de Antioquia retribuírem e enviarem a ajuda material de que seus irmãos e irmãs na Judéia precisavam (At 24.17; Rm 15.23-28).

 

A igreja de Antioquia é um excelente exemplo de como nós, cristãos, devemos demonstrar gratidão de maneiras práticas aos que nos ajudaram em caminhada com Jesus. Aliás, a igreja de Antioquia é uma igreja modelo para todas as igrejas: (1) uma igreja centrada no evangelho; (2) poderosa na evangelização (11.20); (3) que pregava o que vivia; (4) liderada por servos de Deus fiéis e qualificados (At 11.26; 13.1); (5) Uma igreja generosa que, recém implementada, pôde ajudar no suprimento material a igreja mãe em Jerusalém. (6) Esta igreja estava debaixo da bênção de Deus (11.21). A mão do Senhor era com eles! “E Que diremos, pois, diante dessas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31). 

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Pastor Leonardo Cosme de Moraes